Ex-proprietários de um restaurante de comida brasileira em Edimburgo, na Escócia, John e Lúcia Falconer têm apostado, há pouco mais de um ano, na venda de frutas tropicais como o maracujá em duas feiras de rua da cidade. Na semana passada, eles atravessaram o Atlântico em direção a Brasília para negociar a importação de um novo produto: o maracujá silvestre BRS Pérola do Cerrado, cultivar desenvolvida pela Embrapa Cerrados (Planaltina, DF).
“O Fábio (Faleiro, pesquisador da Unidade) nos apresentou esse maracujá quatro anos atrás, e agora queremos vender a fruta in natura nas feiras”, contou John, que também tem uma empresa importadora de frutas de diferentes países tropicais. “Temos interesse pelo BRS Pérola do Cerrado porque ele é mais nutritivo”, disse Lúcia, que é brasileira. “Para você vender uma fruta tropical na Grã-Bretanha, ela tem que trazer uma história, como o modo como é produzida, os benefícios para a saúde ou se é produto de comércio justo”, completou o marido.
Maracujás fazem parte da vida do casal há 18 anos, pois o restaurante, chamado Brazilian Sensation, oferecia sobremesas como a geleia e o sorvete artesanal do maracujá azedo (comercial), produtos também vendidos atualmente nas feiras. “Nossa geleia de maracujá com banana recebeu o Great Taste Awards (prêmio da gastronomia britânica) em 2004. Outra, só de maracujá, também foi premiada”, lembrou Lúcia.
Com o apoio da Embrapa Cerrados, que por meio da Rede Passitec tem incentivado a estruturação dos elos da cadeia produtiva do maracujá BRS Pérola do Cerrado, o casal Falconer iniciou negociações com a produtora Dora de Siqueira, do Núcleo Rural Sobradinho dos Melos, no Distrito Federal. “É a ação coordenada entre tecnologia para produção, colheita, armazenagem e transporte, e isso tem que ser repassado aos elos dessa cadeia de forma sustentável. Quando se pensa em exportação, existe uma série de cuidados com a classificação e embalagem do fruto, que deve atender as exigências internacionais. Portanto, é importante que produtor conheça o processo de packing house”, explica a pesquisadora Ana Maria Costa, coordenadora da Rede Passitec.
Na chácara onde vive com o marido, Dora iniciou, em novembro de 2014, o plantio de cerca de 1 hectare com 510 plantas do maracujá BRS Pérola do Cerrado e outras 780 de cultivares de maracujá azedo BRS Rubi do Cerrado, BRS Sol do Cerrado e BRS Gigante Amarelo, também desenvolvidas pelo centro de pesquisa. Outras duas famílias trabalham no local, totalizando quatro empregados.
No sistema de plantio, acompanhado pelos pesquisadores da Embrapa Cerrados, as linhas das espaldeiras dos maracujás são intercaladas por cultivos de feijão BRS Maravilha, BRS Ouro Branco, também materiais Embrapa, e feijão jalo precoce. Além de garantir alimento e renda extra, a ideia do consórcio é permitir a fixação biológica do nitrogênio atmosférico pelo feijão e assim reduzir, com o passar do tempo, a necessidade de adubação nitrogenada do pomar.
“Estou satisfeita em trabalhar com o maracujá, desde o plantio até a forma como ele chega ao consumidor”, diz Dora, que também produz mandioca em outra chácara vizinha. Sobre o maracujá BRS Pérola do Cerrado, ela aposta em um público consumidor diferenciado. “Levei 1 kg de frutos para o restaurante de uma amiga na Asa Sul (área nobre de Brasília) e a aceitação foi boa”, revela.
Em visita à propriedade, John informou as exigências da Grã Bretanha para a importação de frutas e avaliou possíveis formas de embalagem do maracujá para exportação, bem como padrões de tamanho, peso e cor dos frutos. A intenção é começar a recebê-los semanalmente a partir de fevereiro – cerca de 40 kg do BRS Pérola do Cerrado, além de 100 kg do BRS Rubi do Cerrado, cultivar que chamou a atenção do escocês devido à coloração arroxeada da casca.
“Ainda não sabemos qual será a demanda nas feiras. Por isso, primeiro temos que aprender a andar antes de correr”, afirmou o escocês, justificando as quantidades relativamente pequenas de maracujá a serem importadas.
Membro da Associação dos Fruticultores Familiares e Produtores de Maracujá do Distrito Federal e Entorno (Aprofama), Dora poderá recorrer aos demais associados para completar a cota de exportação caso não consiga colher as quantidades necessárias. Os valores de venda dos produtos não foram definidos no encontro, mas a produtora estava animada com o negócio. “Sabemos que haverá um custo para embalagem e transporte, mas estamos dispostos (a fechar o negócio)”, disse.
Saiba mais
Lançado em 2013, o maracujá BRS Pérola do Cerrado é resultado de quase 20 anos de pesquisas em melhoramento genético convencional, que compreende cruzamentos de acessos da espécie Passiflora setacea coletados em diferentes regiões do Cerrado brasileiro. É a primeira cultivar de maracujazeiro silvestre desenvolvida pela Embrapa já disponível para os fruticultores e consumidores.
Os frutos têm rendimento de polpa superior a 40%. De cor amarelada, a polpa apresenta sabor característico delicado, podendo ser consumida fresca ou em pratos doces ou salgados. A cultivar é, por isso, uma opção para o mercado de frutas especiais e de alto valor agregado, principalmente quando produzido em sistemas orgânicos e agroecológicos.
A polpa é rica em minerais importantes para a saúde, como magnésio, ferro, fósforo e zinco. Cem gramas de polpa do fruto, o que equivale a dois copos, contêm de 34% a 39% das necessidades diárias de ferro, 21% a 27% de magnésio, 22% a 32% de fósforo e 23% a 37% de zinco. Ela é mais rica que a polpa do maracujá comercial (Passiflora edulis) em enxofre, cálcio, boro e manganês. Além disso, tem maiores teores de fósforo e potássio que a polpa da acerola e igual teor de ferro.
As características químicas da polpa, que contém compostos antioxidantes (compostos fenólicos e aminas bioativas), permitem que o BRS Pérola do Cerrado seja usado como alimento funcional. Esses compostos atuam na prevenção de doenças degenerativas e no fortalecimento da resposta imunológica, contribuindo para a manutenção da saúde.
Na cultivar, os compostos fenólicos têm concentração de 50 mg a 77 mg por 100g de polpa, o dobro de compostos fenólicos do maracujá comercial, do cupuaçu e do abacaxi. Em relação às aminas bioativas, o novo maracujá apresenta teores na faixa de 14 mg por 100g de polpa, o que corresponde ao dobro do valor presente no maracujá comercial e a 40 vezes mais que o encontrado numa maçã.
O maracujá Passiflora setacea é conhecido popularmente como “maracujá do sono”, pois a polpa dos frutos, segundo o uso popular, ajudaria a prevenir problemas de insônia. Estudos conduzidos pela Universidade de Brasília com a BRS Pérola do Cerrado têm apontado que o consumo da cultivar pode contribuir para a prevenção de problemas relacionados ao estresse.